1799. Nova Iorque. Na viragem do século nos primórdios dos E.U.A., o jovem polícia Ichabod Crane (Johnny Depp) cujos métodos avançados para a resolução dos crimes são vistos com maus olhos pelo Burgomestre local (Christopher Lee), é enviado a norte para a isolada comunidade holandesa de Sleepy Hollow, para resolver os estranhos assassinatos de 3 cidadãos influentes, incluindo Peter Van Garrett (Martin Landau), o proprietário de terras mais rico da cidade, que foram encontrados sem cabeça. Os locais referem a lenda local de um fantasmagórico cavaleiro sem cabeça (Ray Park / Christopher Walken) como responsável pelos assassinatos, mas no decorrer da investigação o céptico Ichabod começa a desconfiar que alguém do conselho da cidade poderá estar por detrás dos assassinatos, sobretudo quando se apercebe duma misteriosa conspiração que envolve o legítimo herdeiro das terras,
Baltus Van Tassel (Michael Gambon) casado em segundas núpcias com a enfermeira (Miranda Richardson) da falecida mulher; o cirurgião Lancaster (Ian McDiarmid); o Magistrado Philipse (Richard Griffiths); o notário Hardenbrook (Michael Gough) e o Reverendo Steenwyck (Jeffrey Jones).
Johnny Depp como Ichabod Crane |
Tendo apenas como amigos, o pequeno Masbath (Marc Pickering), órfão de uma vítima do cavaleiro e a bela Katrina (Christina Ricci), filha de Von Tassel, por quem se começa a apaixonar, Ichabod terá de usar todo o seu poder de dedução e inclusive recorrer à ajuda do sobrenatural para resolver tão enredado mistério...
Livremente inspirado na pequena história escrita por Washington Irving em 1820, "Sleepy Hollow" é um conto de horror gótico de mistério com elementos do sobrenatural dirigido por Tim Burton que presta aqui homenagem às suas principais influências como os filmes da britânica Hammer Studios;
Christopher Lee como o Burgomestre |
o clássico "The Wicker Man" ('73) e a todo o cinema da Era dourada de horror italiano do mestre Mario Bava, convocando o lendário Christopher Lee para um pequeno papel secundário que serve como elo comum a todas as influências citadas.
Visualmente e artisticamente, e como é hábito no cinema de Burton, "Sleepy Hollow" é fantástico, da criação e decoração dos sombrios cenários, vencedores de Oscares, ao guarda-roupa, nomeado para um Oscar,
à qualidade da sinistra cinematografia de Emmanuel Lubezki, também nomeado, que produz um efeito monocromático dando uma aura arrepiante de mistério no ar e culminando com a assombrosa trilha sonora de Danny Elfman que volta a colaborar com Burton depois do desentendimento de ambos durante a rodagem do "A Nightmare Before Christmas" ('93), nada é deixado ao acaso,
excepto que depois de um excelente e sem-falhas "Ed Wood" ('94) e sem sequer se considerar o medíocre "Mars Attacks!" ('96) pelo meio, Burton volte a cair nos mesmos erros bastante notórios dos seus "Batman" ('89 e '92), nomeadamente nos problemas do guião, direcção de actores e sobretudo, da deficiente supervisão na parte da montagem.
"Sleepy Hollow" tem um bom começo, criando grandes expectativas nos primeiros minutos da película, depois de uma boa sequência inicial que introduz o clima do filme, na tal piscadela do olho aos clássicos da Hammer, até à chegada do personagem Ichabod Crane à comunidade isolada que não lhes apraz muito a presença de estranhos, em ecos do "The Wicker Man",
resume-se a uma criação sóbria e competente de um ambiente obscuro cruzando-se com o irreal do "algo estranho paira no ar" o qual Burton perde por completo o tino depois da primeira investida do cavaleiro, que tem logo um grave erro de continuidade devido a uma séria desatenção na montagem ou falta de estrutura do guião.
O argumento de Andrew Kevin Walker sujeito a várias revisões ao longo do tempo, torna-se demasiado formulaico, difuso e pouco coerente no avançar da trama com o desenvolvimento e motivações dos personagens, que seriam a alma de um filme deste género, a serem quase nulos
Ray Park interpreta o Cavaleiro Sem Cabeça nas cenas de acção |
concentrando-se mais nas súbitas aparições do cavaleiro que quase em formato de videojogo, persegue desenfreadamente para decapitar personagem atrás de personagem.
Aos "flashbacks" que somos levados enquanto Ichabod sonha, relembrando os traumas de infância quando a sua mãe, interpretada pela actriz Lisa Marie, companheira de Burton na altura, foi condenada à tortura na "donzela de ferro" devido aos caprichos do marido ultra-conservador religioso,
Lisa Marie como Lady Crane |
são homenagens ao cinema de Mario Bava, especialmente numa certa cena que lembra a "Rainha de todas as Rainhas do Grito" Barbara Steele no clássico-de-culto "La Maschera Del Demonio" (também conhecido por "Black Sunday") de '60, mas "Sleepy Hollow" está longe de conseguir criar uma atmosfera arrepiante digna daqueles em que se inspira.
Para não ser criticado por se desviar muito do material de origem, Burton sorrateiramente introduz uma cena do clássico de animação da Disney estreado em '49, "The Adventures of Ichabod and Mr.Toad" embora pareça não se importar muito com tudo o resto.
No capítulo das performances, Johnny Depp, na sua terceira colaboração com Burton, ora cria um personagem interessante, uma espécie de Sherlock Holmes cheio de gadgets despertando a curiosidade de todos em volta,
ou torna-se inadequado de se seguir quando vira o seu desempenho de medroso para picuinhas ao exagero, parecendo estar a actuar num papel e filme diferentes.
Christina Ricci como Katrina Van Tassel |
Christina Ricci é caso óbvio de actriz errada para o papel, em momento nenhum convence como a bela e misteriosa Katrina, carecendo da expressividade necessária, sendo demasiado apagada e informal.
Christina aparenta estar mais em modo de divertimento com Johnny Depp, de quem se tornou amiga próxima ainda criança durante as filmagens de "Mermaids" ('90) na altura em que Depp namorava Winona Ryder, do que a dar vida a uma lady clássica com a proficiência pedida para se tornar credível.
Christopher Walken como o Cavaleiro de Hesse |
O elenco secundário recheado de bons actores da habitual "entourage" de Burton, cumprem com a direcção que lhes é dada, destacando-se os cameos não creditados de Christopher Walken ("Batman Returns" de '92) como o feroz cavaleiro e Martin Landau que aparece como agradecimento ao realizador, depois de ter conquistado o Oscar de Melhor Actor Secundário por "Ed Wood" ('94)
Miranda Richardson como Lady Van Tassel |
e ainda Jefrrey Jones ("Beetlejuice" de '88 e também de "Ed Wood"); um quase irreconhecível Michael Gough (o mordomo Alfred dos "Batman") que saiu da reforma para uma pequena participação de favor a Tim Burton; uma deliciosa Miranda Richardson espalhando requintes de malvadez e o sempre interessante Michael Gambon.
Casper Van Dien como o valente Brom Van Brunt |
Um esforçado Casper Van Dien tem o ingrato (e curto) papel do valente Brom, cuja grande parte da sua performance foi editada fora do filme.
Em suma, com "Sleepy Hollow", Tim Burton regressou ao estigma do "estilo sobre substância" focando-se demasiado na criação dos visuais, esquecendo-se de pelo meio rever o argumento demasiado artificial e pouco conciso e por conseguinte,
a falta de leme na direcção que tornou uma potencial ressurreição do clássico de horror atmosférico num típico filme da pipoca.
Estes problemas mais notórios não afectaram tanto os seus "Batman" porque acabam por ser simples adaptações de "comic books" e vêem-se bem por aquilo que são,
ao passo que adaptar uma obra de mistério como "Sleepy Hollow" e fazer as óbvias referências que os verdadeiros cinéfilos iriam certamente identificar, ficou-se à espera de algo mais do que o parco produto final que Burton nos entregou.
Contudo, se visto por um público sem pretensões algumas e somente como obra de puro entretenimento, "Sleepy Hollow" como delírio visual devido à parte técnica e artística fabulosa, é atraente o suficiente para embarcarmos em pouco mais de hora e meia de puro escape cinematográfico.
Género: Mistério / Fantasia / Horror.
Fotografia: Côr.
País: E.U.A.
Duração: 105 minutos.
Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=R6O4Himch7g
Classificação: 7.5/10.
Reviewer: @ Nuno Traumas.